sábado, 4 de abril de 2015

ENSAIO SOBRE A VISÃO - Parte III




“A cegueira que cega cerrando os olhos, não é a maior cegueira; a que cega deixando os olhos abertos, essa é a mais cega de todas”.

Padre Antônio Vieira: Sermões



O milagre aconteceu no dia 07 de Outubro de 2014, às três da tarde. Antes, eu já havia sido inscrito na fila de espera dos transplantes e, óbvio, chegara a minha vez. Fui advertido das implicações psicológicas de um transplante, mas levei, o que para outros seria um mal-estar – por viver com partes de um cadáver no próprio olho –, como se fosse receber uma transfusão de sangue.

Havia sido prevenido para suspender qualquer alimento depois de um leve café da manhã. Cheguei à clínica por volta do meio dia. Durante cerca de duas a três horas uma enfermeira instilava, de 15 em 15 minutos, diversos tipos de colírios no meu olho esquerdo. Afinal fui chamado. O ambiente tranquilo não ensejava qualquer ansiedade ou estresse. A anestesista me tomou pelo braço e pediu que eu me sentasse numa cadeira que, a princípio, parecia de dentista. Mas dentro de poucos segundos se inclinou para trás, se transformando numa mesa cirúrgica. A seguir, puncionou-me uma veia na qual injetou uma substância que, longe de me fazer dormir, me relaxou ainda mais e trouxe aquela sensação que devem sentir os viciados em morfina, logo depois de injetar a droga. Mas não perdi a consciência em momento algum. Percebi o operador se aproximar, e imaginei que estivesse praticando a assepsia. Precisamente dez minutos depois, a anestesista me falou: “sua operação terminou: foi um sucesso como poucas vezes assisti. Levante-se devagar e venha comigo caminhando lentamente”. Pensei que estivesse brincando. A operação durou o tempo equivalente a uma extração dentária. Levou-me a uma sala de recuperação, ajudou-me a deitar numa cama e meia hora depois mandou-me para casa. Sem qualquer tampão ou curativo. Eu enxergava tudo. O cirurgião também chegou até mim e falou. “Mantenha um pouco de repouso, mas não é necessário (nem conveniente) repouso absoluto. Poderá caminhar para ir ao banheiro, e executar atos de rotina. Poderá assistir à televisão e ver o que quiser.

O único incômodo que eu sentia, e só durou até a manhã seguinte, foi uma leve sensação de areia no olho operado. “Volte daqui a quatro dias para checagem e avaliação quanto à necessidade do transplante de córnea.

Voltei. O médico projetou letrinhas na parede para testar minha acuidade visual. Com exceção das menores, eu reconheci quase todas . Depois apresentou-me um texto, que consegui ler sem problema algum. Impossível descrever a minha felicidade... Eu que, desde os dez anos de idade, lia diariamente até contrair aquele troço.

Cerca de vinte dias depois, o mesmo procedimento foi executado no outro olho, com idêntico resultado. Imediatamente após a avaliação pós-operatória, o médico tomou o telefone e ligou para a doutora enfermeira. “Pode retirar este paciente da fila de transplantes de córnea e chamar o seguinte”, ouvi-o dizer.

Hoje, mais de cinco meses são passados. Enxergo tudo de longe sem necessidade de óculos, os quais utilizo somente pra ler. O autor deste milagre é um jovem que não deve ter ainda trinta anos. Seu nome: Doutor José Newton Dias da Escóssia.


20/03/2015


















Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.