sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Duílio Gomes Comenta e Apresenta "Louca Uma Ova!"


"LOUCA UMA OVA!" NO BLOG DE DUÍLIO GOMES
(Autor de contos imortais, inclusive do clássico
"TODOS OS INSETOS").

http://blogduiliogomes.blogspot.com/

"Terça-feira, 23 de novembro de 2010
O conto que vem do Nordeste
O livro de contos "Louca Uma Ova", de Raymundo Silveira, laureado no concurso "Prêmio Literário Para Autores Cearenses" - uma promoçãoda SECULT / CE - neste ano, acaba de sair pela Premius Editora.
As 28 histórias do volume revelam um autor maduro e focado em relações humanas e memórias afetivas sempre surpreendentes.
O conto que dá título ao livro gira no tempo e se situa no século dezoito, em Portugal. Em um quarto palaciano acaba de nascer Pedro de Alcântara Francisco Antônio João Carlos Xavier de Paula Miguel Rafael Joaquim José Gonzaga Pascoal Cipriano Serafim de Bragança e Bourbon. É a típica história histórica.
Raymundo Silveira, o autor, é também médico. Tem trabalhos acadêmicos publicados em revistas científicas e livros médicos. Ray (como também é conhecido) Silveira é sócio da Sobrames (Sociedade Brasileira de Médicos Escritores) e bolsista da FUNARTE.
A diversidade e o vigor dos contos desse autor de Fortaleza chamam a atenção do leitor e o aproximam - pelo estilo e tensão - de contistas do naipe de Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos e Henrique Pongetti.
Este colunista assina a orelha e a Apresentação do livro".

terça-feira, 14 de setembro de 2010

6º Concurso Literário de Suzano




Edição: Carolina Maria de Jesus

CONTO NACIONAL

1º LUGAR
Raimundo Nonato Albuquerque Silveira
Fortaleza – Ceará
Texto: A praga

2º Lugar:
José Flávio de Freitas
Rio de Janeiro – RJ
Texto: Eterno Combate

3º Lugar:
Éder Rodrigues da Silva
Belo Horizonte - MG
Texto: Boneca de pano

4º Lugar:
Maria Luzia Ferreira de Rezende
Itajubá – MG
Texto: A mercenária das palavras

5º Lugar:
Maíra dos Santos Matthes da Costa
Rio de Janeiro – RJ
Texto: Bárbaras nuvens

6º Lugar:
Rodrigo Zafra Toffolo
Santos – SP
Texto: 1968

7º Lugar:
Gustavo Fontes Rodrigues
São Paulo – SP
Texto: O vale dos justos

8º Lugar:
Ricardo Lahud
São Paulo – SP
Texto: Jogo de damas

9º Lugar:
Mônica Pinheiro Lima Franco
Suzano- SP
Texto: Fim de poço

10º Lugar:
Diogo Marins Locci
Mogi das Cruzes – SP
Texto: A Fetichista

sábado, 14 de agosto de 2010

Memórias do Pré-Seminário

Dos anos já vividos, o de 1956 foi um dos marcos mais relevantes em termos da minha adaptação ao meio. É nele que costumo estabelecer a plenitude da minha puberdade; foi durante ele que sucederam acontecimentos decisivos para a minha adequação (ou inadequação) biológica, psicológica e social.
Em 1956 todas as coisas e pessoas me pareciam eternas. Às vezes tenho a impressão de que seria capaz de escrever um diário relatando as suas ocorrências, mas ao mesmo tempo reconheço que seria insensato confiar tanto assim na memória, pois esta não é tão precisa quanto parece e pode nos trair, principalmente quanto às suas minúcias e à sucessão exata dos fatos quanto ao tempo e ao espaço. No registro mental de alguns acontecimentos e de certas sensações e percepções – principalmente as de natureza visual e olfativa -, porém, posso confiar como se tivesse tudo documentado, se fosse possível documentar tais sensações. Entre as lembranças de pormenores corriqueiros, posso destacar: o primeiro dia da minha primeira chegada ao internato; o cheiro das roupas novas do meu leito; o odor emanado de uma indústria de extração e beneficiamento de óleos vegetais que se localizava nas proximidades da escola; o sabor de alguns alimentos, sobretudo daqueles que antes não costumavam fazer parte da minha dieta; a fisionomia exata de todos os meus colegas e professores (considero este detalhe tão extraordinário que chego a hesitar se deveria mesmo citá-lo como sendo de natureza banal) e as atividades do dia a dia, como despertar, praticar exercícios físicos, tomar banhos, assistir a missas e a aulas, rezar, estudar e ler.
Tenho na tela da memória a imagem do Zé Gilberto, uma espécie de bedel a quem chamavam prefeito de disciplina, postado à nossa frente. Estamos todos em formação à moda militar e ele sopra um apito enquanto executa a coreografia dos exercícios físicos a qual devíamos reproduzir. A cada silvo do apito correspondia um determinado movimento. Os mais freqüentes eram os de levantarmos e abaixarmos os braços. E os que exigiam mais esforço, os chamados abdominais, que consistiam em suspender e abaixar várias vezes o tronco, em posição horizontal, apoiado apenas nos pés e nas mãos. Escrevi este parágrafo apenas para ilustrar e demonstrar a capacidade de registro da minha memória. Através dele se pode deduzir como consigo recordar detalhadamente as demais atividades diárias que se passaram há exatos quarenta e oito anos, mas estão todas sendo reprisadas, neste preciso momento, na minha cabeça.
Entre os incidentes mais marcantes, lembro-me especialmente de um ataque que perpetramos contra um "pelotão" de biscoitos. Não sei por que (e sei, mas não há espaço nem azo para explicar aqui) aquele magote de frangotes vivia morto de fome, embora ingerisse três refeições diárias. Foi numa tarde de quarta-feira, quando tínhamos direito a um passeio nas imediações do colégio onde havia um aeroclube e ficávamos a assistir às exibições acrobáticas dos pilotos, ou íamos até o rio, onde tentávamos inutilmente pescar piabas com anzóis fabricados com alfinetes. Num destes dias, ao retornarmos, deparamos com uma quantidade substancial de biscoitos deixados provisoriamente no chão da portaria, devidamente, mas também precariamente, acondicionados em sacolas de papel. Plástico, naquele tempo, só a chamada matéria plástica - um derivado nem sei de quê, parece que da borracha - com que se fabricavam brinquedos, copos, pentes e fivelas. A escassa luminosidade crepuscular disse: "preparar"; a fome insaciável gritou: "apontar"; e o Laurianeto (sobrinho do diretor), comandou: "fogo!" Só vi se repetir cenas parecidas com aquela, dez anos mais tarde, e mesmo assim no cinema, quando assisti às investidas devastadoras dos pássaros no célebre filme de Alfred Hitchcock. Durou cerca de cinco minutos, mas foi suficiente para que não restasse pedra sobre pedra, digo melhor, biscoito sobre biscoito. Pena: prisão no salão de estudos durante um dia, privação de recreios durante uma semana e privação de passeios durante um mês.
Quando, ainda hoje, escuto as canções populares que fizeram sucesso naquele 1956, sinto-me quase como um dos personagens daquele filme, "De Volta Para o Futuro". Uma das mais famosas é o fado "Lisboa Antiga", porém a que me traz mais recordações é "Iracema", de Adoniran Barbosa – a história de uma mulher que morreu atropelada devido à falta de cuidados com que atravessava as ruas de São Paulo. O motivo desta inversão de evocação musical é uma circunstância afetiva. "Lisboa Antiga" eu só escutava durante o período duro dos estudos no internato, mas "Iracema" era uma espécie de hino da minha aldeia, pois parece que era o único disco (de cera, 78 rotações) que existia no Serviço de Altos Falantes de lá e eu o associava à imagem da criatura por quem primeiro me apaixonei na vida, sem que ela, provavelmente, jamais tenha sabido disto, diga-se. Chamava-se Joana D’Arc do Brasil, era filha do coletor estadual de impostos e minha tia dizia que era minha "prima" em undécimo grau. Não sei! O fato é que foi a primeira mulher (menina) por quem sofri por amor. E ela não sabia e, se viva estiver, não sabe até agora, nem nunca saberá, a menos que este escrevinhamento vá lhe cair nas mãos.
Outro acontecimento importante daquele ano foi o primeiro prêmio que conquistei. O meu colega mais inteligente e estudioso chamava-se (chama-se) José Gentil Mota. Nascido na cidade de Sucesso, no Noroeste do Ceará, este menino de origem humilde é hoje um bem sucedido engenheiro civil e foi meu colega e companheiro de internato durante três anos. Detinha uma inclinação especial para a matemática, disciplina que sempre foi o meu tormento. Como, além disto, era muito mais estudioso do que eu, nunca consegui ultrapassá-lo e fui sempre o seu vice. Nunca perdíamos, ele o primeiro e eu o segundo lugar. Em 1956 o Clube de Regatas Vasco da Gama, do Rio de Janeiro, fez uma brilhante campanha no campeonato daquele Estado. Eu era vascaíno doente – continuo a ser, mas sadio -, não perdia um jogo do clube (evidentemente, através do rádio) e ainda hoje tenho de cor a sua escalação no típico esquema daquela época, o famoso dois, três, cinco. Duvidam? Carlos Aberto, Paulinho e Belini. Laerte, Orlando e Coronel. Sabará, Livinho, Vavá, Valter e Pinga. No final do ano ganhei o meu troféu em recompensa pelos segundos lugares obtidos durante todos os meses. Eram dois singelos objetos, mas se alguém os tivesse guardado e conservado, trocaria sem hesitação por vários outros aparentemente mais valiosos que ganhei durante esta vida a fora: uma carteira porta notas e um chaveiro com o logotipo... Que logotipo, quem sabia naquele tempo o que diabo era logotipo? Com o brasão do Vasco da Gama.
A maior frustração que tive em 1956 foi decorrente de um episódio risível que já travesti de ficção e descrevi no conto "A Calça de Tropical". Antes de possuí-la só usava calças curtas; então aquela calça de tropical que eu vestiria num domingo pela manhã seria um símbolo da minha transição de menino para rapaz, da minha auto-afirmação como macho, da "avant-première" das minhas penas coloridas de pavão. Não possuíamos armários, então, no sábado à noite, antes de irmos nos deitar, deixei-a dobrada sobre a mala a fim de facilitar encontrá-la no dia seguinte - aquele que seria o da minha estréia no picadeiro que eu considerava o mais concorrido no circo da vida. Não dormi durante a noite e fui o primeiro a me levantar pela manhã. Aos domingos não havia exercícios físicos. Nem sei como consegui tomar uma ducha, escovar os dentes e pentear os cabelos, tamanha era a excitação. E corri para apanhar e vestir a calça de tropical. Jamais o fiz. Um rato havia roído mais de dez centímetros quadrados da minha primeira calça comprida à altura do joelho direito.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Bolsa Funarte de Criação Literária 2010




REGIÃO NORDESTE

237 Aldo Lopes de Araújo O Coronel e a Dançarina
300 Luciano Gutembergue Bonfim Chaves Caminhos do Sol
5 Homero Fonseca dos Santos Odisseu
8 Moema Silveira Franca Bem aqui, em lugar nenhum - contos do deslocamento
1166 Antonio Carlos de Britto Assim com o vinho
216 Pablo Augusto Tenório de Carvalho Catracas Púrpuras
1057 Katherine Funke Sem Pressa
232 Raimundo Nonato Albuquerque Silveira "Medicina Crônica"
979 Alan Santiago Norões Queiroz Breve Cartografia do Tempo

sábado, 24 de julho de 2010

Prêmio Literário para Autor(a) Cearense



CATEGORIA "LIVRO DE CRÔNICAS"

PRÊMIOS: EDIÇÃO DO LIVRO MAIS QUATRO MIL E DUZENTOS REAIS.

[OREDEM ALFABÉTICA]

1 - EUDISMAR MARIA FERNANDES MENDES "Avó de cães mestiços"

2 - JAILDON CORREIA BARBOSA "A praia de Iracema dos anos 50"

3 - MARGARIDA MARIA SOARES GUIMARAES "A magia da viagem"

4 - RENATO BARROS DE CASTRO "Ecografia afetiva"

5 - RAIMUNDO NONATO ALBUQUERQUE SILVEIRA "Louca uma ova"

6 - RAIMUNDO NONATO ARAGAO "De frente para o norte"

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Prêmio Literário para Autor Cearense

"LOUCA UMA OVA" - deste blogueiro - está entre as obras contempladas
O autor ganhou a Publicação do livro e mais 4 mil e duzentos reais em dinheiro (cash)

sexta-feira, 26 de março de 2010

Literatura & amnésia histórica


Márcia Denser

26/03/2010 - 06h00


“Hoje as artes e a literatura estão expostas a um perigo diferente: não se veem ameaçadas por uma doutrina ou um partido político, mas sim por um processo econômico sem rosto, sem alma e sem rumo”


Refletir sobre a situação atual da Literatura não deixa de ser uma operação essencialmente política, tantas as mediações envolvidas. De forma que, inspirada por umas leituras de Octávio Paz, tentei articular algumas características que marcam a Literatura no início do século 21:

- O deslocamento dos estudos humanísticos que deixaram de ser o centro dos sistemas educativos; o cientificismo que leva o discurso da física, da química ou biologia a domínios como a história e as ciências humanas. Por exemplo, deixar de ler a Odisséia como texto literário, para ler como relato histórico ou reportagem etnográfica, é como estudar mineralogia na Catedral de Chartres (que, entre outras coisas, é feita de pedras);

- Fora da universidade, a tradição poético/literária é corroída pela hipertrofia da indústria editorial que, aliada à publicidade, converteu em mercado financeiro o intercâmbio de idéias, valores, gostos e opiniões. O mundo literário sempre foi um comércio de bens materiais e espirituais, livros são objetos, mas principalmente objetos simbólicos, porque veículos de idéias e formas estéticas;

- A indústria editorial tende a dissolver a diversidade de públicos em massa. E isso não é deliberado, mas algo inscrito na própria natureza do sistema de produção. O mercado editorial é movido apenas por considerações econômicas – o valor supremo é o número de compradores. É bom ganhar dinheiro, bem como produzir para um grande público, mas nesse processo, infelizmente, a literatura morre e a sociedade se degrada se o propósito básico é a publicação de best-sellers, obras de entretenimento e de consumo popular. E a História da Literatura no Ocidente, sobretudo na Idade Moderna, tem sido a das minorias: escritores rebeldes, críticos da ordem estabelecida, poetas e romancistas inventores de novas formas, artistas herméticos e difíceis. A lógica do mercado não é da literatura;

- As considerações econômicas deslocam a literárias. A tendência à restrição e à uniformidade afeta o autor. Este enfrenta agora conselheiros de marketing e “editores” encarregados de alterar, corrigir e adaptar originais. Perda do diálogo autor e leitor: de onde se escreve e se lê? Para o mercado editorial, publicidade e televisão, todos os lugares, até os mais remotos, estão aqui. E onde fica aqui? Em nenhum lugar, que são todos os lugares. Aqui está no tempo, no agora mesmo. O eixo espacial se dissolve no eixo temporal;

- A ação do mercado tem efeito corrosivo no outro eixo da tradição poético-literária: o temporal. O império do agora desata os laços que nos unem ao passado. A imprensa, a televisão, a publicidade só oferecem relatos do aqui, agora e sempre. Vertiginosamente, o passado se afasta e desaparece. A perda do passado por sua vez provoca a perda do futuro. No Ocidente, desde o século 18, a orientação voltava-se para o futuro e para o progresso, mas com o declínio do Cristianismo e das utopias, o futuro sucumbe ao presente que herda seu brilho, sendo contudo um presente sem peso, flutuante, que não decola, que vai a todos os lugares mas não avança, nem chega a parte alguma, porque perdeu o sentido de orientação;

- A evaporação dos fins é a contrapartida do crescimento dos meios. No âmbito da tradição literária, a expansão do presente se manifesta pela tendência à comunicação instantânea. A duração, atributo da excelência, cede lugar ao consumo rápido;

- Esta mudança econômica coincide com outra de ordem moral e política nas democracias do Ocidente: a conversão dos cidadãos em consumidores. A ausência de movimentos poéticos na contemporaneidade reflete uma das mudanças que marcam nossa época: o fim da tradição de ruptura. É um dos signos que anunciam o fim da modernidade;

- Hoje as artes e a literatura estão expostas a um perigo diferente: não se veem ameaçadas por uma doutrina ou um partido político mas sim por um processo econômico sem rosto, sem alma e sem rumo. O mercado é circular, impessoal, imparcial e inflexível. Sua censura não é ideológica: não tem idéias. Sabe de preços, não de valores;

- A perda da memória histórica tem sido alarmante. A poesia canta, a literatura conta o que está acontecendo, a função de ambas é dar forma e se tornarem visíveis na vida cotidiana. Esta é sua missão principal, a mais antiga, permanente e universal. Ou vão deixar esse papel à cultura de mercado?


*A escritora paulistana Márcia Denser publicou, entre outros, Tango Fantasma (1977), O Animal dos Motéis (1981), Exercícios para o pecado (1984), Diana caçadora (1986), A Ponte das Estrelas (1990), Toda Prosa (2002 - Esgotado), Diana Caçadora/Tango Fantasma (2003,Ateliê Editorial, reedição), Caim (Record, 2006), Toda Prosa II - Obra Escolhida (Record, 2008). É traduzida na Holanda, Bulgária, Hungria, Estados Unidos, Alemanha, Suiça, Argentina e Espanha (catalão e galaico-português). Dois de seus contos - O Vampiro da Alameda Casabranca e Hell's Angel - foram incluídos nos 100 Melhores Contos Brasileiros do Século, sendo que Hell's Angel está também entre os 100 Melhores Contos Eróticos Universais. Mestre em Comunicação e Semiótica pela PUCSP, é pesquisadora de literatura, jornalista e curadora de Literatura da Biblioteca Sérgio Milliet em São Paulo.

quinta-feira, 4 de março de 2010

O Outro Lado do Rio

Rubens da Cunha

Jamais atravesse o rio, se quiser viver, se quiser saber como será a vida daqui a dezvinte anos, jamais atravesse o rio. Tolie tem quinze anos. A avó morreu. Não tem mais ninguém que lhe prenda a este lado da margem. Pai e Mãe morreram antes, Tolie se lembra, o pai enervado com alguma coisa começou a discutir com a mãe. A mulher arremessou uma pedra e acertou a cabeça do pai que vazou até morrer. Ela não aguentou os olhares: da mãe, do filho, dos vizinhos, chamou todos na praça e condenou-se: com a faca de raspar mandioca, raspou-se inteira, dos pés a cabeça. Antes de esvaziar-se, gritou a todos, meu marido agora pode regar o chão em paz, que eu não manche a terra, pois não tive culpa, tive apenas impulso. Era uma espécie de maldição ser interrompido antes, todos tinham que se liquefazer aos cem anos. Os pais de Tolie não cumpriram a natureza, talvez por isso não tem amigos, além disso foi criado pela avó materna. É o neto da bruxa, o neto da velha doida. Tolie nunca entendeu a postura da avó: reclusa, visceral, feita de silêncios grandes e, às vezes, gritos contínuos. Sempre imprevisível, com exceção do discurso diário antes de todas as refeições: nunca atravesse o rio. Tolie perguntou diversas vezes o motivo, que tipo de contrário havia no outro lado do rio, porque não atravessá-lo, a outra margem nem era tão longe, em dias claros podia-se ver a mata, o morro, parecia tudo igual aqui deste lado. A avó esquivou-se o quanto pôde, insistia no ensinamento como que prevendo um futuro estranho nos olhos do neto. Ela discordava em tudo dos outros habitantes da aldeia, menos a certeza de que o rio não poderia ser atravessado. Os outros olhavam o rio e sabiam, apenas sabiam o seu lugar. Mas desde que começou a andar Tolie sempre quis saber do rio, ficou pior ainda com a morte dos pais.
A avó chamou o neto e antes de morrer sentenciou mais uma vez: jamais atravesse o rio, aqui você tem vida, futuro, pode ir para a cidade, pode ficar nas minhas terras, agora suas, faça as escolhas que quiser, siga o seu caminho, mas se mantenha sempre deste lado. Por quê, vó? Tolie recebeu como resposta a morte da avó. Esperou que ela se liquefizesse. Aos poucos, a pele, os órgãos, os ossos da mulher viraram água. Tolie viu sua vó escorrer pelo chão batido da casa, pela primeira vez rezou as preces ensinadas na igreja, retorna ao poço de onde viestes, sejas novamente a água límpida das nascentes, em nome do pai, do filho e do espírito.
Sentado na beira do rio, Tolie molha os pés nas águas escuras, está aqui desde a morte da avó, não conseguiu dormir, não conseguiu tomar uma decisão. Dois caminhos, Tolie, você tem dois caminhos. Ou segue o conselho da vó e parte daqui, em direção à cidade, ou a outro lugar em que não te conheçam, em que você não seja o neto da bruxa, ou você atravessa este rio, vai lá do outro lado e sabe por que a avó tinha tanto medo, tanta insistência no falar. Tolie está imerso nos pensamentos, sente um pouco de fome, mas prometeu só se alimentar quando souber o que vai fazer. Tem quinze anos, é um homem, o que tá esperando? Empurrão de alguém? Mas como vai atravessar o rio, a avó nunca deixou que ele nadasse, não precisa, você será água quando morrer, pra que nadar, além disso quanto menos se aproximar do rio menos tentações você corre. Tolie lembra dos cuidados excessivos da avó. Quando passavam perto do rio ele era pego pelo braço, segurado com firmeza, queria se soltar, levava uns tapas, ficava quieto derrotado, agora sozinho, quem vai prendê-lo? Quem vai segurar seu braço? Ninguém. Mesmo assim Tolie hesita. Resolve caminhar pela margem até a cidade.
Na cidade Tolie é olhado por todos os lados. Raros são os de sua aldeia que vêm à cidade, é sempre uma incursão na surpresa e no medo. Admiração também. Depois de horas perambulando, Tolie entra numa lanchonete. O atendente fala entredentes, o que deseja moço? água e um pedaço daquilo. O bolo seco vai rasgando sua garganta, a água acalma um pouco as ranhuras, o outro lado do rio ainda está na cabeça dele. Tolie olha para seu lado e vê um homem muito velho, quase sujo, barbado, que está orando diante de um copo com um líquido amarelo, e um pedaço de pão. O senhor sabe o que tem do outro lado do rio? arrisca a perguntar. O velho interrompe sua oração, olha fixamente para Tolie com certo ódio até, bem como todos os presentes naquela lanchonete, não há nada lá, nada, por isso ninguém pensa em atravessar, porque não há nada lá. Mas aqui é a cidade, aqui a vida é diferente, vocês me olham diferente, qual o motivo desse medo pelo o outro lado do rio? lá de onde eu venho, tudo bem, eles sempre acreditaram que o outro lado é perigoso, mas aqui? olha isso, olha essas ruas, o que pode ser mais perigoso do que isso? E Tolie fala, argumenta, como que possuído por algo que ele mesmo desconhece. Ele quer saber o que há do outro lado do rio, precisa. Por que não me contam, só isso, o que tem do outro lado do rio? Ninguém sabe! Tolie olha atrás de si e vê uma mulher diferente das outras, cheia de penduricalhos, com a cara por demais pintada, as pernas com varizes saltantes, o cabelo entre o marrom e o dourado. É isso, garoto, ninguém sabe o que tem do outro lado do rio, todo mundo, lá do cantão que você veio ou daqui dessa cidade enorme, todo mundo só acha que deve ficar aqui, desse lado, que o lado de lá não deve ser visto, e então ficam com isso, não sabem nadar, não constroem pontes, barcos, essas coisas. A cidade grande não mudou isso garoto. A cidade grande nunca vai mudar isso. E a mulher se aproxima de Tolie, que tal você largar mão dessa ideia ridícula de atravessar o rio e conhecer coisa melhor? e pega na mão dele e encaminha para baixo de sua saia, Tolie sai correndo, ouve ainda muitas risadas, quase é atropelado, aos poucos vai se afastando da cidade, tendo sempre o rio ao seu lado, tendo sempre o outro lado visível aos olhos, mas invisível ao conhecimento.
No último ano, Tolie aprendeu a nadar, secretamente, enquanto todos dormiam, ele entrava no rio e mexia-se até que foi conseguindo o equilíbrio necessário, até que conseguir ficar sobre as águas sem a necessidade que seu pé tocasse o chão, até que conseguiu nadar num lugar que não dava pé. Ontem, no seu aniversário, Tolie entrou no rio com o intuito de atravessá-lo, fosse o que fosse, iria até o outro lado. A princípio começou a nadar, normalmente mas a outra margem nunca ficava mais perto, a margem está lá, estou vendo, mas nunca chega, Tolie finalmente olha para trás, não vê seu lugar, atrás de si apenas rio, vou voltar, a avó estava certa. Tenta retornar, de um lado, do outro lado, nada acontece, está preso, não retorna mais ao lugar de origem. Tolie percebe que há somente movimento para frente, em direção ao lado proibido. Por que então não chega nunca, por que não fica mais perto como seria o normal? Tolie nada e chora como um homem de dezesseis anos. Cansado, mas parece que as águas do rio o embalam, parece que há um motor em seu corpo que o movimenta de forma automática. E Tolie nada, a margem que nunca chega. Atrás de si, apenas rio, já nem sabe se lá de onde veio há mais alguma coisa ainda.
Três dias e três noites. Finalmente a outra margem parece mais próxima. Tolie nada com força, agora tem o controle do corpo. Finalmente o pé encosta na lama. Tolie sai da água e olha ao redor. Percebe que tudo é exatamente igual à margem de onde veio. Quando percebe todos os conhecidos da aldeia estão olhando para ele. O que aconteceu Tolie? Por que você está todo molhado? você está aprendendo a nadar Tolie? por isso não conseguimos te encontrar nos últimos dias? Tolie assustado, não entende, sabe que não retornou, sabe que veio da outra margem, olha para trás, no outro lado do rio a mesma visão que tinha. Senta-se e chora. Aos poucos, as pessoas afastam-se, deve ficar louco igual a avó, também não era só a avó, e toda aquela família errada, não poderia dar outra coisa, Tolie ainda ouve outros comentários, tudo é igual, tudo se repete, ele passou dezesseis anos querendo vir para o outro lado do rio, para saber que tudo se repete, e se acaso voltar? o que vai acontecer? e o ele desse lado? onde está? o Tolie desse lado, pois se tudo se repete, há dois Tolies, é quando percebe que nunca vai encontrar seu igual, que nessa hora deve estar lá no outro lado, tendo os mesmos pensamentos, é quando Tolie percebe que está preso, que não adianta atravessar o rio, saber nadar, fugir de sua vida, pois vai sempre encontrar tudo igual, tudo feito à imagem e semelhança daquilo que já existe em sua vida. Ainda sentado, Tolie olha o rio, olha o outro lado do rio e decide que não adianta mais seguir, decide que vai liquefazer-se antes do tempo. Diferente da mãe que raspou-se em praça pública para poder vazar, Tolie entra no rio, segue até que água cubra seu umbigo e fixo, terno, decidido como um homem de dezesseis anos pode ser, Tolie chora até o fim.

domingo, 14 de fevereiro de 2010

"La Belle Dame Sans Merci"

Tradução livre do Poema de John Keats

"O que te aflige tanto ó cavaleiro?
Pareces só, lívido e tão sem rumo!
O junco à beira do lago já secou
E os pássaros não cantam mais.

O que te aflige tanto, ó cavaleiro?
Pareces alquebrado e tão tristonho!
O celeiro da quinta está repleto
E a colheita terminou.

Posso ver um lírio em tua fronte
Angustiada, úmida e febril,
E em tua face uma rosa esmaecida
Velozmente a fenecer".

"Encontrei uma dama na campina
Formosa qual princesa encantada,
Os cabelos eram longos, os pés luziam
E os seus olhos cintilavam.

Fiz uma grinalda para ela,
E do sândalo moldei uma pulseira,
E ela me fitando com amor
Murmurou um suave lamento.

Sentei-a na garupa do meu corcel
E nada mais eu vi naquele dia
Senti apenas que ela se curvava e entoou
Uma linda canção da sua terra.

Ela me deu raízes de ervas doces
E a doçura selvagem de um maná,
E numa estranha língua murmurou:
‘Eu te amo de verdade’.

Levou-me para dentro do seu antro
E lá chorou copiosa e amargamente,
Então cerrei aqueles olhos virginais
Com quatro beijos.

Depois me fez adormecer,
E eu sonhei – Ah! Que desgosto!
O último sonho que sonhei
Sobre a encosta fria da colina.

Via pálidos reis e pálidas princesas,
Pálidos guerreiros com a palidez da morte;
E todos diziam: – ‘A Bela Dama Ingrata
Te encantou!’

Via seus trêmulos lábios sardônicos,
Com horrendos esgares a zombar,
Então acordei e me encontrei aqui,
Sobre esta encosta fria da colina.

E eis porque aqui estou agora,
Sozinho, lívido e tão sem rumo,
Embora seco esteja o junco junto ao lago,
E não cantem jamais os passarinhos".


'O WHAT can ail thee, knight-at-arms,
Alone and palely loitering?
The sedge is wither'd from the lake,
And no birds sing.

'O what can ail thee, knight-at-arms,
So haggard and so woe-begone?
The squirrel's granary is full,
And the harvest 's done.

'I see a lily on thy brow
With anguish moist and fever dew;
And on thy cheeks a fading rose
Fast withereth too.'

'I met a lady in the meads,
Full beautiful – a faery's child,
Her hair was long, her foot was light,
And her eyes were wild.


'I made a garland for her head,
And bracelets too, and fragrant zone;
She look'd at me as she did love,
And made sweet moan.

'I set her on my pacing steed
And nothing else saw all day long,
For sideways would she lean, and sing
A faery's song.

'She found me roots of relish sweet,
And honey wild and manna dew,
And sure in language strange she said,
"I love thee true!"

'She took me to her elfin grot,
And there she wept and sigh'd fill sore;
And there I shut her wild, wild eyes
With kisses four.

'And there she lullèd me asleep,
And there I dream'd – Ah! woe betide!
The latest dream I ever dream'd
On the cold hill's side.

'I saw pale kings and princes too,
Pale warriors, death-pale were they all;
They cried – "La belle Dame sans Merci
Hath thee in thrall!"

'I saw their starved lips in the gloam
With horrid warning gapèd wide,
And I awoke and found me here,
On the cold hill's side.

'And this is why I sojourn here
Alone and palely loitering,
Though the sedge is wither'd from the lake,
And no birds sing.'

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Eu & O "Y"


ESCREVO MEU NOME COMO FUI REGISTRADO. A FORQUILHINHA NÃO É PARA ENFEITAR, É PORQUE O TABELIÃO QUIS ASSIM.

domingo, 17 de janeiro de 2010

EM NOME DA VERDADE HISTÓRICA - I - INVENCIONICES

"A idéia inicial da implantação do Curso de Enfermagem em Sobral, surgiu da imaginação de um padre e pesquisador, Francisco Sadoc de Araújo, que ao fazer um levantamento histórico da genealogia das famílias de Sobral, encontrou incontáveis casos de homens que haviam-se casado por duas, três e, até quatro vezes. Diante desta constatação, resolveu entrevistar alguns deles sobre o porquê de tantos casamentos. Como resposta obteve que as mulheres morriam em sua maioria, de parto. Observando mais a situação pôde constatar que o problema estava na falta de conhecimento técnico-científico e na deficiência de habilidades das pessoas que cuidavam dessas mulheres, as chamadas parteiras leigas. Isto posto, o Pe. Sadoc, então Reitor da Fundação Universidade Vale do Acaraú pensou muito longe e, delineou uma minuta criando a Faculdade de Obstetrícia de Sobral que a 03 de junho de 1971, que foi instituída pelo Conselho Diretor da Fundação Universidade Vale do Acaraú como Faculdade de Enfermagem e Obstetrícia de Sobral. Em 1972, houve o primeiro vestibular, onde eram ofertadas 60 vagas/ano, onde os primeiros alunos concluíram em 1976. Em 23.01.1975 foi autorizada a funcionar pelo Decreto nº. 75.269 como Curso de Enfermagem com habilitação em Obstetrícia, tendo a duração de 4 anos. Em 18.12.1979 foi reconhecida pelo Conselho Federal de Educação, através da Portaria no 1.226 do Ministério da Educação e Cultura - MEC".

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

EM NOME DA VERDADE HISTÓRICA - II - A REALIDADE

Omitam a História, mas não a deturpem, como fizeram aqui:

"A idéia inicial da implantação do Curso de Enfermagem em Sobral, surgiu da imaginação de um padre e pesquisador, Francisco Sadoc de Araújo, que ao fazer um levantamento histórico da genealogia das famílias de Sobral, encontrou incontáveis casos de homens que haviam-se casado por duas, três e, até quatro vezes. Diante desta constatação, resolveu entrevistar alguns deles sobre o porquê de tantos casamentos. Como resposta obteve que as mulheres morriam em sua maioria, de parto. Observando mais a situação pôde constatar que o problema estava na falta de conhecimento técnico-científico e na deficiência de habilidades das pessoas que cuidavam dessas mulheres, as chamadas parteiras leigas. Isto posto, o Pe. Sadoc, então Reitor da Fundação Universidade Vale do Acaraú pensou muito longe e, delineou uma minuta criando a Faculdade de Obstetrícia de Sobral que a 03 de junho de 1971..."

http://www.educaedu-brasil.com/graduacao-em-enfermagem-carreiras-universitarias-19596.html

Isto é uma inverdade. A verdadeira história não só da idéia como de toda a obra da criação da Faculdade de Enfermagem e Obstetrícia de Sobral é, de fato, fruto do esforço do Padre Francisco Sadoc.
Mas é uma supina mentira que tenha surgido de pesquisas do Padre Sadoc, que "ao fazer um levantamento histórico da genealogia das famílias de Sobral, encontrou incontáveis casos de homens que haviam-se casado por duas, três e, até quatro vezes".
A História não pode ser inventada. Ou contem a verdade, ou a omitam!
O documento básico que serviu de argumento decisivo para a Criação da Faculdade de Enfermagem e Obstetrícia de Sobral foi redigido por este escrevinhador (eu mesmo) que, na época era ajudante de servente. Seu título é "NECESSIDADE E CONVENIÊNCIA DA FACULDADE DE OBSTETRÍCIA DE SOBRAL".
Infelizmente no tempo não havia computador. Portanto, não tenho o texto arquivado.
Hoje, este documento encontra-se "extraviado", incinerado, ou mais provavelmente oculto na papelada de todo o processo de criação, aprovação pelo Conselho Estadual de Educação e Reconhecimento pelo Conselho Federal de Educação.
Pobre História essa do nosso país. Em vez de se basear em documentos autênticos, o que vale para os "historiadores" é o que qualquer pessoa diz. Principalmente pessoas que têm interesse em esconder a verdade.

Raimundo Nonato Albuquerque Silveira
(Ajudante do Padre Sadoc e primeiro diretor da Faculdade de Enfermagem e Obstetrícia de Sobral durante onze anos).