quinta-feira, 28 de maio de 2009

Essa Essa É do Eça

Toda vez que vou a Lisboa aproveito para gouvarinhar. Somente quem já leu Os Maias sabe o que estou a dizer. A verdade é que enquanto me encontro naquela cidade, o pobre homem de Póvoa do Varzim não me sai da cabeça. Se vou ao Chiado, o fantasma do padre Amaro não para de me obsedar, juntamente com o sacerdote, seu colega, a repetir: "Amaro, seu maganão!" Se estou no Rossio, o consultório ocioso do Dr. Carlos Eduardo fica com as portas entreabertas e, lá de fora, posso observar o neto de Afonso da Maia conversando miolo de moringa com o seu amiguirmão João da Ega. Não sei bem por que, mas situo o Ramalhete no Restelo. Lá dentro, Afonso da Maia se queda a embalar-se numa cadeira de balanço, tendo à mão um alfarrábio. Sempre vou a Sintra, onde reitero visitas sem contas ao Castelo da Pena, ao Palácio Real, às ruínas do Castelo dos Mouros e à Regaleira. Sou também freqüentador assíduo de uma das propriedades dos Maias - aquela onde o Carlos Eduardo e a irmã Maria Eduarda incestavam para desgosto e escândalo do avô. Ali mesmo, está o Vilaça sentado a uma mesa, e de óculos pra perto, a fazer intermináveis contas. Em qualquer taberna onde entro é muito raro não encontrar o Euzebiozinho cercado de meretrizes espanholas. De volta a Lisboa, se entro numa livraria qualquer, avisto o Alencar. Vou ao Museu da Fundação Calouste Goulbenkian e com quem deparo logo na entrada? Nada menos do que com o Conselheiro Acácio a arengar sobre a importância dos descobrimentos, a sofisticação da cultura lusitana e a magnificência dos monumentos portugueses. Sigo para o lado de Arroios e deparo com prima Luisa me observando pelos cantos dos olhos, temendo, quem sabe, que eu seja o Ernestinho Ledesma - primo do seu marido Jorge – e esteja espioná-la. Na Avenida da Liberdade esbarro a todo instante com dezenas de Sebastiões, Juliões, Marianas, Julianas, Donas Felicidades, Tias Vitórias, Basílios e Reinaldos. Nas missas dominicais, entrevejo a Titi de A Relíquia, a rezar compenetradamente com o sobrinho Raposão. Quando estive em Leiria, vi a São Joaneira saindo da igreja puxando pelo braço a filha Amélia com um ventre enorme, a denunciar adiantada gestação! Enfim, todas as vezes que vou a Portugal - e lá já estive em dezenas de ocasiões -, os personagens de Eça de Queiroz são as primeiras motivações das minhas fantasias. Certa vez tive mesmo uma alucinação com o próprio romancista. Tratava-se do seu funeral. Na cerimônia de corpo presente, juro ter visto uma faixa roxa estendida no catafalco, onde se podia ler esta frase escrita com letras douradas: "ESSA ESSA É DO EÇA”.

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